sábado, 13 de outubro de 2012

Anselmo Borges: 11 de Outubro de 1962



Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

"Devemos discordar desses profetas das desgraças, que anunciam acontecimentos sempre funestos, como se o fim do mundo estivesse próximo." A Igreja quer ir ao encontro dos homens nas suas alegrias e esperanças, nos seus problemas e dificuldades. "Nos nossos dias, a Igreja de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade: julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validade da sua doutrina do que condenando erros."

Foi com estas palavras que o Papa João XXIII inaugurou há 50 anos, precisamente no dia 11 de Outubro de 1962, o Concílio Ecuménico Vaticano II, um dos acontecimentos maiores do século XX - o Presidente da França, Charles de Gaulle, considerou-o "o mais importante". Nele, como ironicamente escreveu a "Der Spiegel", deu-se "uma viragem copernicana, na qual Roma confessou que o Céu talvez ainda gire à volta da Basílica de São Pedro, mas a Terra não".

A Cúria Romana preparava-se para manter praticamente tudo na mesma. Houve, porém, um conjunto de cardeais que obrigaram à viragem. Um deles foi o cardeal Josef Frings, de Colónia, que tinha como assessor um jovem professor de Teologia, Joseph Ratzinger, crítico de cinco dos sete esquemas preparatórios fundamentais do Concílio. Ele e outros peritos, como Karl Rahner, Edward Schillebeeckx, Yves Congar, Hans Küng pensavam na urgência de uma renovação profunda e reconciliação da Igreja com o mundo moderno. Ratzinger foi então um provocador, até certo ponto um rebelde, favorável às línguas vernáculas na liturgia e criticando duramente a Cúria e a sua "atitude antimoderna": "A fé tem de enfrentar-se com uma nova linguagem, uma nova abertura."

Só quem viveu antes do Concílio pode aperceber-se da revolução que ele constituiu. Foi um esforço real e sincero de aproximação de todos. Como se diz no início da Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, Gaudium et Spes, "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os aflitos, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração".

E talvez o mais paradoxal é que a Igreja, com o seu aggiornamento, diálogo, abertura, apenas estava, no essencial, a reconciliar-se com o melhor do Evangelho, que, desgraçadamente, tinha tido de se impor na modernidade contra a Igreja oficial: os direitos humanos, a dignidade sagrada da pessoa humana, a liberdade religiosa, a inviolabilidade da consciência.

Devia tornar-se claro que a Igreja, "luz dos povos", é, antes de mais, "povo de Deus" e não a hierarquia e mesmo esta tem de contar com a colegialidade episcopal e a participação dos leigos, contra uma estrutura piramidal. A revelação não pode ser concebida como um ditado de Deus; apela-se, portanto, à leitura da Bíblia, que estava afastada dos fiéis, mas no quadro de uma investigação histórico-crítica. A Igreja deve estar atenta aos "sinais dos tempos", como a emancipação das mulheres, a descolonização, o mundo do trabalho, da ciência e da técnica. As realidades terrestres são autónomas e não há oposição entre a criação de Deus e a acção criadora dos homens no mundo; a esperança da salvação no além tem de dar sinais e começar já aqui. Denunciou-se o anti-semitismo, a Igreja abriu-se ao diálogo ecuménico com as outras Igrejas e confissões cristãs, com as outras religiões, com os não crentes, com todos os homens de boa vontade. A viragem mais visível foi na liturgia: em vez do latim, adoptou-se a língua vernácula, o presidente deixou de celebrar de costas para o povo, todos eram convocados para uma participação activa, fraterna e festiva.

Passados 50 anos, muito falta fazer por uma Igreja verdadeiramente conciliar. O ecumenismo não dá passos. Os bispos, como faz notar a "Der Spiegel", continuam "marginais", "a Perestoika na Cúria não se realizou". Continua a dominar em Roma "uma corte medieval" e lutas pelo poder. Sobretudo, falta a fé e o ânimo de então.

9 comentários:

Anónimo disse...

Curiosa a afirmação de que "o ecumenismo não dá passos"; só pode dar "a dois" e quando os outros não estão dispostos a andar, não se pode imputar responsabilidades à Igreja. Não é?

J. Duque disse...

O Ecumenismo e o diálogo inter-religioso têm dado passos: veja-se o Encontro de Assis, promovido também por Bento XVI (à semelhança do seu antecessor), com representantes de todas as religiões e este ano até, com figuras da cultura laica e agnóstica (Julie Kristeva, psicanalista francesa, foi convidada pelo Papa).

A menos que se o Pe. Anselmo Borges esteja a pensar em que o objectivo é criar uma espécie de super-religião, que englobasse todas as outras. Qual o crente, católico ou de outra confissão, que poderia aceitar tal ideia ?

Anónimo disse...

J. Duque,

não censure o AB. Ele apenas veicula a cartilha demagoga e mentirosa do Nós Somos Igreja.

AM

maria disse...

AM,

importa-se de apoiar o seu comentário com exemplos da "cartilha demagoga e mentirosa" do movimento "Nós somos Igreja"?

Anónimo disse...

Maria,

tenho todo o gosto:

a) questiona se a obediência é um valor;
b) afirma que o Vaticano é um antro de misóginos;
c) afirma a Igreja já ordenou mulheres sacerdotes (e até "bispas") donde pode voltar a fazê-lo;
d) afirma que o baptismo de um muçulmano na vigilia pascal é um atentado ao diálogo inter-religioso;
e) afirma que a re-introdução do rito-tridentino, mesmo na versão corrigida, é um atentado à união da Igreja;
f) afirma que Bento XVI está a conduzir a Igreja numa contra-reforma que a afasta do Vaticano II;
g) afirma que o NT é anti-semita;
h) afirma que há expressões na Bíblia que não devem ser usadas novamente nem sequer na leitura eucarística da Bíblia;
i) afirma a Igreja nunca disse claramente o que entendia por "revelação";
j) etc...

Américo Mendes

maria disse...

AM,

nos exemplos que dá, não vejo onde está a mentira e demagogia. E não estará a confundir declarações desta ou daquela pessoa, com as preposições do movimento?

Anónimo disse...

Américo Mendes,

grato pela lista. Haviam muitos mais exemplos. Mas cuidado: há quem não compreenda que os elementos dessa lista são demagogos e mentirosos. E isso é grave.

Fernando d'Costa

Anónimo disse...

Olá Fernando, cruzámo-nos aqui, ou quase. Não. Discordo com o que diz: há motivos e motivos para a cegueira. A Maria não vê onde está a demagogia e a mentira, donde acredita que aquelas afirmações não são nem mentirosas nem demagogas, donde talvez possa apresentar provas factuais para as mesmas. Aqui aguardarei.

Américo Mendes

maria disse...

mas que provas factuais? conheço muito pouco do movimento NSI, do que conheço acho que é muito bom para a Igreja a existência do movimento (não arranquem os cabelos, já somos todos crescidinhos e o tempo dos papões já lá vai).

Quanto às alíneas apresentadas, não sei quem disse e em que contexto foram ditas, assim não me merecem mais nenhum comentário.

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