sábado, 30 de junho de 2012

Anselmo Borges; A caminho do Vaticano III?

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (tirado daqui).

Juan José Tamayo

Durante esta semana, em Santander, na UIMP (Universidade Internacional Menéndez Pelayo), realizou-se um Curso de Verão sobre os 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965). A direcção pertenceu ao teólogo Juan José Tamayo.

O Concílio foi um enorme acontecimento. Sem ele, é inimaginável a situação da Igreja Católica e, consequentemente, dada a sua influência no mundo, também do próprio mundo. Como sublinhou Tamayo, operaram-se grandes transformações:

De uma Igreja que se considerava uma sociedade perfeita passou-se à Igreja como comunidade de crentes. Do mundo como inimigo da alma ao mundo como lugar da vivência da fé. Da condenação da modernidade e das religiões não cristãs ao diálogo multilateral. Da condenação dos direitos humanos ao seu reconhecimento e proclamação. Da condenação da secularização à sua defesa, no sentido do reconhecimento da autonomia das realidades temporais. Da Igreja imutável e imóvel à Igreja que deve estar em constante reforma. Do integrismo católico ao respeito pelas outras crenças. Do autoritarismo centralizado em Roma à colegialidade episcopal. Da Cristandade ao cristianismo. Da pertença à Igreja como condição necessária para a salvação à liberdade religiosa como direito humano fundamental. De uma Igreja europeia a uma Igreja verdadeiramente universal.

Houve limites? Alguns, maiores: apesar de certa abertura ao mundo, o seu carácter eurocêntrico - o horizonte de compreensão foi a modernidade europeia e, nesse quadro, a problemática da crise de Deus no mundo ocidental e o fenómeno da descrença -, e a não centralidade da opção pelos pobres, não se dando a devida atenção às maiorias populares do Terceiro Mundo. O Ocidente acabou por ser o destinatário principal do Concílio. Depois, o antropocentrismo exacerbado fez com que a problemática da ecologia fosse ignorada.

Alguns temas foram silenciados. O Papa Paulo VI impediu que o tema do celibato dos padres fosse debatido - mais tarde, num Sínodo Episcopal, submeteu-o a votação, mas a maioria dos bispos opôs-se. O lugar das mulheres na Igreja e, concretamente, a sua ordenação, bem como o controlo da natalidade, foram arredados do debate.

No dizer de Tamayo, "o Concílio foi uma curta Primavera a que se seguiu um longo Inverno, que dura há mais de 40 anos". Perante os excessos de então, Paulo VI, que tinha convictamente levado a termo o Concílio, mas que era um intelectual hesitante, teve receio e começou a pôr algum travão, numa história de avanços e recuos. Depois, já com João Paulo II, avançou a involução e pôs-se em marcha "um programa calculado de restauração". Acentuou-se o carácter hierárquico-papal da Igreja, limitou-se a liberdade de investigação teológica, muitos teólogos foram condenados, passou-se do pensamento crítico ao pensamento único e dogmático, a Cúria readquiriu poder, os bispos conciliares foram sendo substituídos por bispos fiéis ao neoconservadorismo e ao Vaticano.

Com Bento XVI, que constituiu uma surpresa pela sua humanidade, por medidas fortes contra o clero pedófilo, pela admiração por parte dos intelectuais, o caminho da involução continua: aí estão a restauração da Missa em latim, as negociações com os lefebvrianos, a condenação de teólogos, a centralização.

Perante a grave crise que atravessa hoje a Igreja, muitos reclamam um novo Concílio: um Vaticano III, convocado por um João XXIV. Mas há quem, para lá de outras objecções, lembre a questão financeira: um novo Concílio seria demasiado caro.

Pergunta-se, então, se não deveria dar-se, pelo menos, a convocação dos Presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo - há quem, com razão, questione a utilidade do cardinalato -, para resolver problemas urgentes: os escândalos no Vaticano, a questão do celibato, o lugar da mulher na Igreja, reformas das estruturas eclesiásticas, maior descentralização, uma linguagem nova para a expressão da fé, questões novas postas pela globalização e pelas novas tecnologias, tanto no domínio da comunicação como no da vida.

4 comentários:

Unknown disse...

Ahahahaha... agora o AB vem dizer que não se faz um Vaticano III por causa do apego ao dinheiro... ahahaha... mas se, segundo o mesmo, o Vaticano II ainda não foi todo posto em prática, não se deveria esperar que o fosse para, então, se convocar o Vaticano III? Ou será que já há questões actuais que exigem um Vaticano III? Se assim é, qual o motivo de se estar apegado a perspectivas parciais e temporalmente ultrapassadas do Vaticano II?

Por outro lado não é correcto dizer que os temas relacionados com o "lugar das mulheres na Igreja" (e qual o motivo de não se falar do "lugar dos homens"? ou este restringe-se ao sacerdócio? não será que, se falando das formas de vida, se está a falar dos homens e mulheres nos seus diversos papeis?) foram arredados do debate. Não é isso que AB está, precisamente (aqui e noutros locais), a fazer? E antes de se ter chegado às proclamações de João Paulo II, não se fez debate? Será que, depois do dogma "mariano" de 1950, se arredou do debate a temática da ascenção de Maria? Isto não é honesto.

Também não é honesto dizer que há uma involução na restauração da missa em latim. Não diz o Vaticano II, precisamente e claro como a água, que o latim deve ser mantido nas celebrações eucarísticas? Não se pode negociar com os irmãos que se separaram? só se tem que negociar com os que "apelam à dissidência" e dizem que o Papa actual é cismático como Hans Küng? E "condenação de teólogos" (ou de algumas teses destes) não houve sempre? E não deve o Papa cuidar que se evite apresentar como "teologia católica" o que contradiz os pontos essenciais da teologia católica?

Ai, ai, ai AB...

Anónimo disse...

Mulheres com as gadanhas no altar nem vê-las.

João Silveira disse...

Fernando, faz perguntas muito pertinentes, que o Pe.Anselmo Borges nunca conseguiria responder. É no mínimo incoerente aplaudir o diálogo com as outras religiões e condenar o diálogo com os "lefevrianos".

Mas infelizmente a coerência há muito está arredada dos discursos políticos deste colunista

Anónimo disse...

2:29 PM, só se for alguma "diacona" (será assim no feminino?)

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...