terça-feira, 8 de maio de 2012

Mário Soares e o efeito sinédoque na construção da Europa


K. Adenauer, pai, ou talvez tio, da Sr.ª Merkel

Mário Soares faz hoje, no DN, uma extensa análise do panorama político europeu, com destaque natural para a vitória de Hollande. “Eis a mudança esperada, que vai transformar a União Europeia e tornar um pouco melhor o mundo”, conclui.

Na política, sou gémeo Tomé, que era chamado de “Dídimo”, que quer dizer “nascido do mesmo parto”. [Os cristãos, é a minha interpretação da passagem tomista, nasceram todos do mesmo parto de cegueira de Tomé] . Não me parece que Mário Soares tenha razão na sua análise. Tudo anda à volta do dinheiro, é certo. Mas a coisa não se resolve como ele escreve:  “Não há dinheiro? Há sempre, desde que haja vontade política para o arranjar”. Espero para ver como.

Mas se trago para aqui a reflexão do ex-Presidente da República é principalmente por causa dos primeiros parágrafos:
Não sou profeta. Mas espero que a Esquerda europeia saiba aproveitar a oportunidade que a crise global, paradoxalmente, lhe oferece, para se refundar (socialistas, sociais-democratas, trabalhistas, verdes) e, em diálogo estreito com o movimento sindical, readquirir o lugar que teve, no passado, nos Governos europeus e que, infelizmente, para o futuro europeu, tem vindo a perder. 
Também espero, embora com menor convicção, confesso, que a Democracia Cristã, a outra família política que, com o socialismo democrático, ajudou a construir e a desenvolver o projeto europeu, possa reaparecer, com força, para o progresso da Europa. Porquê menos convicção? Porque a Igreja de Bento XVI não é a mesma de Leão XIII, de João XXIII ou de Paulo VI do Concílio Vaticano II. Apesar de manter, como não podia deixar de ser, a doutrina social da Igreja - e combater a democracia liberal, em favor da democracia social - evita, creio, que se crie, como no passado, um relacionamento partidário estreito que lhe pode retirar a simpatia dos outros movimentos políticos...
De qualquer modo, tanto a social-democracia como a democracia cristã perderam importância política na Europa, nos últimos anos, em favor do populismo ultra-conservador e da ideologia neoliberal (ler o resto e tudo aqui).

Duas notas:

1. Tenho ainda mais dúvidas que a Democracia Cristã ressuscite na Itália, por exemplo, que é onde era mais relevante nas últimas décadas, além da Alemanha. E vários políticos catolicíssimos do CL estão às pegas com a justiça. Mas é admirável como Soares passa por cima do facto de a CDU de Merkel ser democracia cristã.

2. Parece que a Europa unida foi obra principal do socialismo democrático, auxiliado pela democracia cristã. Foi precisamente o contrário. É o efeito sinédoque, tomar a parte pelo todo, o menor pelo maior. Os democratas cristãos deram os primeiros passos, lideraram, e a seguir juntaram-se socialistas e liberais. Os “pais da Europa”, os franceses Schuman e Monnet, o alemão Adenauer, o italiano De Gasperi eram o quê? De dois deles correm processos de canonização, ainda que em fases iniciais (Schuman e De Gasperi). Outro era irmão de padre (Adenauer). E outro, mui católico, Monnet, só não viu o seu catolicismo mais realçado porque se casou com uma divorciada (mas não descansou enquanto não conseguiu casar-se pela Igreja).  Não foi por acaso que os detratores da ideia da Europa unida chamavam ao projeto a “Europa vaticana”.

3 comentários:

Anónimo disse...

De acordo! Ouvir esta inversão é como ouvir, como aconteceu comigo há pouco, dizer que a "declaração universal dos direitos do homem" da ONU foi redigida por ateus e não se encontra baseada na mundividência judaico-helenista-cristã!

Fernando d'Costa

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado pelo comentário, Fernando.
A propósito dos direitos humanos, que sem dúvida têm uma matriz e mundividência cristão, disse o bispo de Dijon, há dias, que na DHDU late a visão cristã. Para nós, parece evidente,mas pelos vistos tem de ser afirmado publicamente, mesmo em contexto crente. Por outro lado, também é verdade que a receção eclesial da declaração demorou. E quanto à decalração francesa pós 1789, então...

Jorge Pires Ferreira disse...

O link para as afirmações do arcebispo de Dijon
http://www.periodistadigital.com/religion/diocesis/2012/05/08/religoin-iglesia-ucv-benedicto-derechos-humanos-arzobispo-dijon.shtml

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