sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um ano sem homilias



O cardeal Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, biblista reconhecido e inventor do Pátio dos Gentios, fez há dias (3 de Novembro) umas afirmações que têm tido grandes ecos em alguns meios eclesiais e blogues. Vejamos o que ele disse. Excertos.
A palavra está sofrendo. Também para a comunidade eclesiástica, a Igreja e sua comunicação. A palavra é traída e humilhada. 
Com frequência, os sermões são tão incolores, insípidos, inodoros, que são irrelevantes. 
E necessário recuperar a palavra que ‘ofende’, fere, inquieta, julga. 
Palavra saudável, autêntica, que deixa marcas. 
(Citando Voltaire e a Montesquieu) A eloquência sacra é como a espada de Carlos Magno, longa e plana: aquilo que não pode dar em profundidade, o dá em comprimento. 
O sacerdote não deve aceitar que a palavra seja humilhada. Está claro que a capacidade de falar é, em parte, dom natural, mas também existe a formação, o aspecto pedagógico, os instrumentos técnicos com os quais se dotar. E isto é algo que hoje falta nos seminários.
E agora os ecos e reacções.

Marco Tosatti, no “Vatican Insider”, fez três sugestões ao Papa:
A primeira ideia é um tanto radical. Proclamar um período (você pode decidir sua duração) de jejum de homilias. Isto é: estabelecer que, durante um ano nas igrejas (com exceção, obviamente, do Papa e dos bispos) não se façam homilias. Não me peça explicações nem razões. Não desejo ofender os sentimentos (bons) de ninguém. Peça explicações, caso desejar, a Giulio Andreotti, que – se não me falha a memória – procura(va) ir nas missas matutinas, exatamente para não ouvir homilias. Eu creio que, se a homilia fosse substituída por um breve momento de recolhimento e de meditação das palavras ouvidas nas Leituras, poderia ser benéfico para todos.
Segunda sugestão. Isto, obviamente, com um tom de brincadeira. Obrigar os sacerdotes a fazerem um curso de jornalismo e, em particular, de jornalismo de agência ou televisivo. Mais de uma vez nos disseram, durante a nossa presença já de longa data em redações, que em 50 linhas se pode descrever a história de uma vida. É possível que seja impossível escrever, no mesmo espaço, uma reflexão sobre o Evangelho do dia? 
Terceira possibilidade (também tem um tom de brincadeira, mas...): solicitar à Congregação correspondente a redação de um documento em que estabeleça taxativamente que o tempo dedicado à homilia não deve ultrapassar os cinco minutos. Um santo, ou um padre da Igreja, disse certa vez: “nos primeiros cinco minutos fala Deus, nos outros cinco fala o homem, nos restantes mais de cinco minutos fala o diabo”. Tendo a acreditar que, na realidade, depois dos primeiros cinco minutos em muitos púlpitos continua falando o homem; e, lamentavelmente, nem todos estão à Sua altura, ao escrever e pronunciar os discursos. E a experiência nos torna palpável – sem culpa de ninguém, os sacerdotes estão animados pelos melhores sentimentos, e estão cheios de santo entusiasmo – que uma homilia que se alonga, se perde, divaga, toca muitos pontos diversos, o que, muitas vezes, não ajuda a manter a concentração e a tensão espiritual criadas pelas Leituras. Pelo contrário. Naturalmente, estariam isentos o Papa, os cardeais, os patriarcas e os arcebispos metropolitanos. Sobre os bispos e os abades, pode-se discutir...
Ivan Rioufol, do “Le Figaro”, escreveu no seu blogue:
Essa admissão de conformismo eclesiástico é, obviamente, muito tardia com relação aos avanços da descristianização e do cansaço de inúmeros católicos (dos quais faço parte) frente a um clero pusilânime e politicamente correto.
O padre Christophe Delaigue, da diocese de Grenoble, defendeu-se:
Você [Ravasi] me critica, ok, mas o que você tem tentado fazer concretamente? Com o que você poderia contribuir hoje, em sua posição, assim como eu tento contribuir com a minha fé, a minha juventude e as minhas ideias, às vezes balbuciando, é verdade, mas com tudo o que eu sou?
David Lerouge, da diocese de  Coutances, escreveu:
Se eu fizesse comunicação, eu pegaria um microfone HF, me colocaria no meio do presbitério e falaria ao coração, a você, sim, a você na segunda fila, que quer ser convertido por Deus, eu estaria inflamado, eu seria cômico, eu seria delicado, eu seria... odiado no fim de três números desse tipo.
Porque a missa não é um número de magia, é o espaço do encontro com Cristo. A homilia pode lhe levar a esse encontro, mas não sozinha.
Tudo isto foi retirado dos seguintes textos:
Proponho um ano sem homilias
A pregação na era digital

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Jorge,
Sinto-me tentado a comentar um aspecto peculiar nas contra-propostas de Marco Tosatti, que nem concordo nem discordo. Porque razão exprime ele que o Papa, os cardeais e os bispos não poderão também dedicar momentos de silêncio às suas homilias (ou um ano para ser exacto)? Não compreendo a razão. Aliás, eles deveriam ser os primeiros a adoptar essas práticas.
Por fim, gostaria apenas de dizer que se fossemos levar a sério muitos comentários feitos em conferências como aquela em que Ravasi esteve presente e disse o que disse, hoje nem sequer haviam eucaristias...
É um apontamento interessante, e lá está, as notas de imprensa são fantásticas - põem meio mundo a falar de assuntos religiosos.

Saudações,
Paulo Campos

Jorge Pires Ferreira disse...

Paulo Campos, talvez Marco Tosatti pense que ao menos os bispos e o Papa preparam bem as homilias. Ou que eles não têm que se preocupar com o que dizem, em termos de conteúdo e de modo, ou porque são especialmente assistidos pelo Espírito Santo ou porque pelo lugar que ocupam não precisam de fazer muito para captar a atenção dos ouvintes... Obrigado pelo comentário.

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