sábado, 21 de maio de 2011

Restauracionismo e justiça dúbia no caso do bispo australiano

Ainda a propósito do caso do bispo australiano, D. William Morris, afastado da sua diocese pelos superiores (ou seja, o Papa, aconselhado pelas estruturas do Vaticano e por uma visita feita por um bispo norte-americano, durante três dias, que já antes era um conhecido anti-obamista, D. Charles Chaput), é útil ler o texto que surgiu na revista dos jesuítas "America". E não está longe do espírito do texto de hoje de Anselmo Borges (post anterior) . Umas linhas do texto da "America":
Defensores indignados se mobilizaram em torno do bispo. O Conselho Nacional de Presbíteros da Austrália saiu na frente em defesa a Dom Morris: "Estamos revoltados com a falta de transparência e do devido processo legal que levou a essa decisão pelas autoridades da Igreja", afirmou o conselho em um comunicado. "Estamos envergonhados com o desprezível tratamento dispensado a um excelente pastor (...). Estamos preocupados com um elemento dentro da Igreja cuja ideologia restauracionista quer reprimir a liberdade de expressão dentro da Igreja Católica Romana e que nega a autoridade magisterial legítima do bispo local dentro da Igreja".
Sobre a prática da justiça no caso é pertinente o seguinte parágrafo (isto dirige-se principalmente a Paulo C., que deixou uma dúvida nos comentários, aqui, que naturalmente merecerá mais esclarecimentos):
Um comunicado divulgado por Peter Wilkinson, porta-voz do grupo de tendência reformista Catholics for Ministry, da Austrália, chamou o processo que levou à remoção de Dom Morris de "uma farsa de julgamento". Disse Wilkinson: "Dom Morris nunca recebeu, pelo que se sabe, qualquer acusação formal contra ele por parte do Vaticano, nunca pôde ver as provas reunidas contra ele e nunca lhe foi permitido enfrentar como testemunhas em público qualquer um dos seus acusadores (…) Sem o devido processo, os católicos não podem ter nenhuma confiança no sistema legal da seu Igreja ou naqueles que o administram".
 Ler tudo aqui.

4 comentários:

Anónimo disse...

É realmente muito triste todo este caso. E mais anti-cristão não pode ser. Tudo indica que a questão se baseou na delação, anónima e sigilosa, que que continua a fazer caminho.
O mais preocupante é como se faz sofrer pessoas e como se desiludem comunidades inteiras.
O regresso ao paradigma Jesus é, de facto, a única via de salvar a Igreja.
Jesus não foi um contestatário impenitente do poder, mas manteve-Se sempre distante dos poderes.
Não deixa, por isso, de causar alguma perplexidade verificar como no centro da Igreja existe um poder político (estado do Vaticano), um poder judicial (tribunal da Rota e da Assinatura Apostólica) e até um poder económico (um banco-IOR).
Funcionalmente, poderá ter de ser assim. Mas teologicamente haverá justificação plausível?
E, depois, os direitos humanos?
Como anunciá-los se não os praticamos?
Leonardo Boff também foi condenado, nos inícios da década de 1980, por causa de um livro («Igreja, carisma e poder») em que denunciava a falta de apreço pelos direitos humanos na Igreja.
O que mais entriste é que, a avaliar por alguns comentários, haver cristãos que se limitam a seguir os ditames da autoridade, mesmo quando esta não respeita os mais elementares direitos das pessoas.
Eu penso que o caso de D. William Morris devia ser longamente meditado. Ele está cheio de perguntas que questionam (pertinentemente) muitas das nossas respostas.
Parabéns por acompanhar este caso, tão esquecido pelos «media».
O Jesus da compaixão, da misericórdia e da paz parece ter-Se ausentado da Sua Igreja. Ou terá sido removido?

Anónimo disse...

(correcção)

É realmente muito triste todo este caso. E mais anti-cristão não pode ser. Tudo indica que a questão se baseou na delação, anónima e sigilosa, que continua a fazer caminho.

O mais preocupante é como se faz sofrer pessoas e como se desiludem comunidades inteiras.

O regresso ao paradigma Jesus é, de facto, a única via para salvar a Igreja.

Jesus não foi um contestatário impenitente do poder, mas manteve-Se sempre distante dos poderes.

Não deixa, por isso, de causar alguma perplexidade verificar como no centro da Igreja existe um poder político (estado do Vaticano), um poder judicial (tribunal da Rota e da Assinatura Apostólica) e até um poder económico (um banco-IOR).

Funcionalmente, poderá ter de ser assim. Mas teologicamente haverá justificação plausível?

E, depois, os direitos humanos?
Como anunciá-los se não os praticamos?

Leonardo Boff também foi condenado, nos inícios da década de 1980, por causa de um livro («Igreja, carisma e poder») em que denunciava a falta de apreço pelos direitos humanos na Igreja.

O que mais entristece é que, a avaliar por alguns comentários, há cristãos que se limitam a seguir os ditames da autoridade, mesmo quando esta não respeita os mais elementares direitos das pessoas.

Eu penso que o caso de D. William Morris devia ser longamente meditado. Ele está cheio de perguntas que questionam (pertinentemente) muitas das nossas respostas.

Parabéns por acompanhar este caso, tão esquecido pelos «media».

O Jesus da compaixão, da misericórdia e da paz parece ter-Se ausentado da Sua Igreja. Ou terá sido removido?

Anónimo disse...

Caro Jorge, obrigado pelo esclarecimento.
Mas há algo que gostaria ainda de dizer e espero não ser maçador.

É que, se bem que, como se verifica, ao nível canónico não houve sequer instauração de processo (também podemos ver casos semelhantes como as excomunhões latae sententiae) o problema é que D. Morris inicialmente foi chamado ao Vaticano – à Congregação dos Bispos e à Congregação para a Doutrina da Fé – duas vezes mas não foi, justificando razões pastorais que não especificou. A meu ver, terá sido este o momento em que D. Morris perdeu hipóteses de diálogo.
Depois disto, D. Morris esteve com os Cardeais, perfeitos das congregações que referi, e esteve ainda com Bento XVI que reiterou o pedido de resignação do bispo. Este recusou e preferiu ser afastado. No esquema que acedi “Sumário da Disputa entre D. Morris e os Dicastérios Romanos” feito pelos consultores de D. Morris, não se trata de uma questão canónica senão no momento em que o bispo, um ano depois de ter sido convidado a ir a Roma, reune um grupo de canonistas para se defender das suas posições.

Ora, informando-me sobre o assunto, vejo que a “Carta para o Advento de 2006” que D. Morris escreveu, é demasiado ingénua para um bispo. Sobretudo quando por razões de falta de padres considera necessário a ordenação de mulheres e padres casados (e anglicanos). Ou seja, por razões pastorais - mui nobres e que não coloco em causa - abdica pura e simplesmente da teologia do sacramento da Ordem. O desfecho da história, que demorou cerca de 6 anos, só podia ser o que se veio a verificar. Coloca-se a pastoral à frente da teologia, quando estas devem andar de mãos dadas, lado a lado.
Repito, não coloco em causa as intenções nobres e evangélicas que levaram D. Morris a agir da forma que agiu, porém, é preciso não conhecer a Igreja e os seus 2000 anos de história para se ser tão ingénuo ao longo deste processo e ainda que não se saiba muito bem qual foi o problema pessoal entre D. Morris e o Cardeal Francis Arinze.
Porventura, D. Morris deveria ter reunido não um grupo de canonistas mas de Teólogos versados em pastoral, eclesiologia, sacramentologia e dogmática. (que actualmente, por vezes, até são áreas teológicas adversas a trabalho interdisciplinar...)

Um outro esquema, mas semelhante a este, apresenta-nos Hans Kung, que por sua vez foi também afastado à algum tempo. A sua crítica actual, não igual aos trabalhos profundos que nos habituou, vai num sentido igualmente ingénuo e de um extremo evangélico, esquecendo-se da exigência do diálogo com Roma e com os argumentos teológicos sacramentais e dogmáticos.

Também considero que o Vaticano em temas específicos, fecha-se em copas não dando possibilidade ao diálogo aberto, porém, uma coisa temos a certeza - o vaticano está atento e à escuta. Pode não responder ao que dizemos – directamente. Mas que nos ouve, isso podemos ter a certeza.

Também considero que é preciso ter cuidado quando pretendemos fazer do Vaticano o centro da nossa fé. E mais ainda quando damos importância ao seu poder eclesial. Mas se observarmos alguém como Urs Von Balthazar, que nunca chegou a ser ordenado cardeal, vemos que ele levou a sua teologia por um caminho exigente e ainda hoje é citado e ensinado por inúmeros teólogos e inclusive por Bento XVI. As suas críticas foram muitas, sempre directas e subtis, porém, Balthazar sempre foi fiel à Escritura e à Tradição, sendo que a sua teologia dificilmente foi contestada pela Cúria, pois era uma teologia “forte” demais, sendo até absorvida, e bem, por esta.

Como tal, está nas mãos de todos, saber como aperfeiçoar a fé e a razão que temos.
Mais uma vez o digo: talvez seja uma questão de estudo. Um estudo que proporcione uma teologia “forte” e, por exemplo, uma criatividade teológico-pastoral “forte” - ou se preferirmos usar uma expressão actual: “firme na fé, enraizada em Cristo”.

Obrigado e desculpe o discurso maçador!
Paulo C.

Jorge Pires Ferreira disse...

Paulo C.,
ainda em relação a este caso, sugiro que leia
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=43851

se tivesse o seu e-mail, poderia dizer-lhe algo mais.
abraço.
jorgepiresf@gmail.com

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