sexta-feira, 24 de julho de 2009

A gripe e a comunhão. Ponto final.

Não pretendo alimentar polémicas (se bem me lembro, a palavra vem do grego e quer dizer guerra), mas devem-se alguns esclarecimentos sobre a troca de palavras entre mim e José Vítor Malheiros (JVM).

1.º JVM fala do “exemplo do polícia”. Trata-se de uma referência ao polícia que anda de bicicleta e come sandes de alface e pepino versus o barrigudo que come hambúrgueres gordurosos. Uma jornalista dizia que se sentia mais segura com o segundo, mais capaz de pôr a sua pele em risco.

2.º Ele não sabe (e suponho que o mesmo acontece com a maioria dos que seguem este blogue) que sou jornalista. Pelo que, mesmo trabalhando num semanário humilde (mas 59 anos mais velho do que o “Público”), sei como funciona um jornal. Mas nunca concordaria que isso alguma vez pudesse dar-me legitimidade para opiniar sobre o trabalho de um jornalista. O que dá legitimidade é o facto de o ler. E pronto. Todos os leitores podem opinar sobre o que está escrito. Nisso creio que ambos concordamos.

Mas a condição de jornalista talvez dê mais propriedade para distinguir os géneros (o que, no entanto, não será exclusivo dos jornalistas) e afirmar que qualquer jornalista poderá escrever sobre factos, desde que os saiba interpretar, mas nem sempre estará suficientemente esclarecido para opinar sobre os factos (principalmente sobre os que não são da sua área; recuso-me a fazer uma crítica de futebol, embora perceba que ganha quem marca mais). A comparação é antiga, mas julgo que continua válida: quando se fala da Igreja, comete-se geralmente o mesmo erro que um crítico de arte (ou um historiador) cometeria se só analisasse os vitrais do lado de fora. É preciso entrar na igreja. A crítica eclesial a partir de fora sem dúvida que é legítima, e será muito significativa (poderia dizer “profética”) quando atinge as consequências sociais da fé cristã (JVM de alguma forma pode invocar que é disso mesmo que se trata), mas será sempre incompleta.

3.º Invoca o exemplo de Cristo e aí isto entra numa outra dimensão. Cristo tocou em doentes, principalmente em leprosos, que deixavam ritualmente impuro quem lhes tocasse, à face das leis antigas. Sem dúvida que havia o aspecto médico: o perigo de contágio; e o aspecto religioso: o ficar ritualmente impuro, logo impróprio para o culto.

Quando ao aspecto médico, não sei o que Cristo pensava. A minha cristologia diz-me que ele era plenamente humano, portanto, podia ficar doente. Não sei porque não ficou, não sei sequer se ficou ou não – os evangelhos são omissos –, mas tenho a certeza de que podia ficar. Não estava imune. E tinha que ter cuidados para não apanhar doenças. Deve ter tido varicela e sarampo quando era pequeno. E dor de dentes. E de barriga, se bem que a dieta mediterrânica seja das melhores. Será que teve cuidados para não apanhar doenças? Não sei. Talvez ele não tocasse em todos os doentes. Talvez ele tenha levado a pensar que em alguns doentes que parecia terem lepra podia-se tocar (tudo o que era doença de pele era tido como lepra; até as casas tinham lepra, quando apareciam manchas nas paredes e também elas tinham de submeter-se a rituais de purificação – vem no Antigo Testamento). Talvez a aproximação aos doentes tenha levado a pensar: destes podemos aproximar-nos; daqueles, não. E tenha levado à diferenciação dos tipos de doenças - a medicina!

Mas quanto ao aspecto religioso, é claro o que Cristo pensava. Ele veio para os pobres e doentes (e para os outro também, já agora). Ele veio para reintegrar os excluídos numa grande sociedade sob o olhar bondoso de Deus a que chamava Reino de Deus (ou dos Céus, segundo S. Mateus). Com o gesto de tocar em doentes (e também: comer com ladrões, cobradores de impostos, pessoas de má vida e outros das classes rasteiras; curar ao sábado; dizer que os últimos serão os primeiros; falar com mulheres e crianças…) queria mostrar que as doenças não deviam ser factor de exclusão (os leprosos – até por estratégia social – andavam de sineta ao pescoço e diziam: fujam de mim, fujam de mim que sou leproso). Ele queria dizer entre a lei e o ser humano há que optar pelo ser humano, mesmo quando a lei parece divina. Tocar, acolher, era (e é) o contrário de excluir, diabolizar.

Mas ele também disse que o cego não pode guiar outro cego (embora eu já tenha visto cegos a guiarem-se muito bem – os tempos são outros e as capacidades dos cegos evoluíram muito).

O máximo de prudência não é contrária à solidariedade. Como sabe, “prudência” é uma boa desculpa para, por vezes, não se fazer na Igreja o que deve ser feito (alguém disse uma vez que a palavra “prudência” era a que mais se ouvia nos paços episcopais). Mas, em termos de saúde, se a gripe A for a ameaça que dizem ser, prudência é o primeiro mandamento da solidariedade. Se todos ficarem doentes, que visitará os doentes? Quem lhes levará a Comunhão?

[Desculpe(m) se me alonguei.]

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